Livro: Lady Killers

Dica Cultural

O papel feminino e seus impactos
Há no senso comum a ideia de que as mulheres são naturalmente destinadas à vida familiar e conjugal — seres inofensivos que dedicam sua existência ao cuidado de terceiros. Com o objetivo de romper esse véu imposto pela sociedade, Tori Telfer escreveu o livro Lady Killers, que percorre a história e as formas de violência cometidas por mulheres, explorando suas motivações, contextos e estratégias.

O livro narra 14 casos de mulheres que mataram — por vingança, desespero ou controle. Cada capítulo é dedicado a uma assassina específica, apresentando sua história e contexto. A linguagem de Telfer é envolvente, por vezes irônica, mas sempre embasada por pesquisa rigorosa. Em vez de simplesmente criminalizar ou exaltar essas mulheres, a autora oferece uma análise crítica sobre a construção social do feminino e a invisibilização das violências que escapam do padrão masculino. Com capítulos independentes, Lady Killers combina jornalismo investigativo com ensaio sociológico, sendo uma leitura
recomendada para quem se interessa por história, criminologia, estudos de gênero e crítica cultural.

Ao longo do tempo, fomos apresentados ao ideal do “serial killer” como um homem violento, frio, que mata sem escrúpulos e, por vezes, é transformado em mito — como Jack, o Estripador. É verdade que a maioria dos assassinos em série foram homens, mas isso não significa que não houve mulheres assassinas. Algumas, inclusive, cometeram crimes comparáveis ou até mais numerosos que os dos criminosos mais famosos.

“Assassinas em série são mestres do disfarce: elas andam entre nós, no mundo, como nossas esposas, mães e avós. Mesmo depois de punidas, a maioria se afunda nas névoas da história de uma maneira que os homens não fazem. Os historiadores ainda se perguntam quem foi Jack, o Estripador, mas quase nunca falam de sua conterrânea, a assustadora Mary Ann Cotton, que confessou três ou quatro vezes mais vítimas, a maioria crianças.” (p. 17)

Além do espanto com os crimes em si, Lady Killers revela como a sociedade recusa aceitar que mulheres possam ser agentes da violência. A beleza física, por exemplo, funciona quase como atenuante: quanto mais atraente a acusada, maior a tentativa coletiva de justificar suas ações. Elizabeth Báthory, conhecida como a Condessa de Sangue, teve seus crimes reinterpretados como um suposto desejo de juventude eterna — uma tentativa de suavizar o prazer sádico que sentia ao torturar e matar.

O caso de Nannie Doss é um dos mais emblemáticos nesse sentido. Conhecida como “Vovó sorriso”, ela envenenou maridos, parentes e até netos durante décadas — sempre com um sorriso no rosto. Sua aparência inofensiva e seu jeito gentil confundiram a polícia, a imprensa e até os tribunais, que demoraram a levá-la a sério. A imagem da vovó bondosa parecia incompatível com a ideia de uma assassina.

Ao longo da leitura, torna-se evidente: as instituições não sabiam como lidar com mulheres assassinas. Elas pareciam romper com todas as normas sociais, tornando-se figuras tão incômodas que muitos preferiram tratá-las como anomalias — enclausuradas em manicômios, silenciadas em prisões ou varridas para fora da história.

Esta Dica Cultural foi produzida em parceria com o Projeto de Extensão Diálogos Literários, desenvolvido no Campus São Vicente do Sul pela professora Ana Cláudia de Oliveira. Siga aqui o projeto.

Texto: Felipe Uberti Darold (bolsista do projeto)

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *